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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

TARDE DE SÁBADO

                                                                                                             Cecília Meireles
A tardezinha de sábado, um pouco cinzenta, um pouco fria, parece não possuir nada de muito particular para ninguém. Os automóveis deslizam; as pessoas entram e saem dos cinemas; os namorados conversam por aqui e por ali; os bares funcionam ativamente, numa fabulosa produção de sanduíches e cachorros-quentes. Apesar da fresquidão, as mocinhas trazem nos pés sandálias douradas, enquanto agasalham a cabeça em echarpes de muitas voltas.

Tudo isso é rotina. Há um certo ar de monotonia por toda parte. O bondinho do Pão de Açúcar lá vai cumprindo o seu destino turístico, e moços bem falantes explicam, de lápis na mão, em seus escritórios coloridos e envidraçados, apartamentos que vão ser construídos em poucos meses, com tantos andares, vista para todos os lados, vestíbulos de mármore, tanto de entrada, mais tantas prestações, sem reajustamento — o melhor emprego de capital jamais oferecido!

Em alguma ruazinha simpática, com árvores e sossego, ainda há crianças deslumbradas a comerem aquele algodão de açúcar que de repente coloca na paisagem carioca uma pincelada oriental. E há os avós de olhos filosóficos, a conduzirem pela mão a netinha que ensaia os primeiros passeios, como uma bailarina principiante a equilibrar-se nas pontas dos sapatinhos brancos.

Andam barquinhos pela baía, com um raio de sol a brilhar nas velas; há uns pescadores carregados de linhas, samburás, caniços, muito compenetrados da sua perícia; há famílias inteiras que não se sabe de onde vêm nem se pode imaginar para onde vão, e que ocupam muito lugar na calçada, com a boca cheia de coisas que devem ser balas, caramelos, pipocas, que passam de uma bochecha para a outra e lhes devem causar uma delícia infinita.

Depois aparecem muitas pessoas bem vestidas, cavalheiros com sapatos reluzentes, senhoras com roupas de renda e chapéus imensos que a brisa da tarde procura docemente arrebatar. Há risos, pulseiras que brilham, anéis que faíscam, muita alegria: pois não há mesmo nada mais divertido que uma pessoa toda coberta de sedas, plumas e flores, a lutar com o vento maroto, irreverente e pagão.

E depois são as belas igrejas acesas, todas ornamentadas, atapetadas, como jardins brancos de grandes ramos floridos

Por uma rua transversal, está chegando um carro. E dentro dele vem a noiva, que não se pode ver, pois está coberta de cascatas de véus, como se viajasse dentro da Via-láctea. Todos param e olham, inutilmente. Ela é a misteriosa dona dessa tardezinha de sábado, que parecia simples, apenas um pouco cinzenta, um pouco fria. E a moça que vem, com a alma cheia de interrogações, para transformar seus dias de menina e adolescente, despreocupados e livres, em dias compactos de deveres e responsabilidades. É uma transição de tempos, de mundos. Mas os convidados a esperam felizes, e ela não terá que pensar nisso. Ela mal se lembra que é sábado, que é o dia de seu casamento, que há padrinhos e convidados. E quando a cerimônia chegar ao apogeu, talvez nem se lembre de quem é: separada dos acontecimentos da terra, subitamente incorporada ao giro do Universo.
                                                              
 Cecília Meireles
Filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil S.A., e de D. Matilde Benevides Meireles, professora municipal,  Cecília  Benevides  de Carvalho Meireles nasceu em 7 de novembro de 1901, na Tijuca, Rio de Janeiro. Foi a única sobrevivente dos quatros filhos do casal. O pai faleceu três meses antes do seu nascimento, e sua mãe quando ainda não tinha três anos. Criou-a, a partir de então, sua avó D. Jacinta Garcia Benevides.
http://www.releituras.com/cmeireles_bio.asp

Ilustração: Marcelo Cardoso Gemmal

segunda-feira, 1 de junho de 2015

FÉDON: A IMORTALIDADE DA ALMA

O diálogo Fédon, de Platão, é fundamental para a reflexão filosófica e metafísica do Ocidente. Nele, Sócrates – condenado pela democracia ateniense e prestes a beber a cicuta – nos demonstra a imortalidade da alma. Tal demonstração, por sua vez, é feita diante de alguns de seus discípulos que viam na eminente morte de Sócrates um motivo para grande desespero, pois perderiam seu “grande pai” nos caminhos do pensamento. Entretanto, Sócrates – nas palavras de Fédon em seu relato para Equécrates – surpreendeu: respondeu às questões e aos temores de seus discípulos com humor, bondade e ar interessado, selando – de certa forma – a “imagem” clássica do que significa, verdadeiramente, ser filósofo.
- Cabe-te agora a vez de dizer outro tanto a respeito da vida e da morte. Não dirás, de início, que “viver” tem por contrário “estar morto”?
-É o que eu diria.
-E, em seguida, que esses estados se engendram mutuamente?
-Diria.
-Que é, por conseguinte, o que provém do que está vivo?
-O que está morto.
-E do que está morto, que é que provém?
-Impossível – disse Cebes – não admitir que é o que está vivo.
-É, pois, de coisas mortas que provêm, Cebes, as que têm vida, e, com elas, os seres vivos?
-É claro.
-Quer dizer, então, que nossas almas existem no Hades.
-Parece mui verossímil.
-Das duas gerações, enfim, que aqui temos, não há pelo menos uma que não nos deixe dúvida sobre sua realidade? Por que o termo “morrer” penso, está fora de dúvida! Não está?
-Sim, absolutamente certo.
-Que faremos, então? Não o compensaremos pela geração contrária? Porque, se não fosse assim, a Natureza seria coxa! Ou, pelo contrário, será preciso supor uma geração contrária ao “morrer”?
-Isso é, segundo penso, absolutamente necessário.
-E qual é essa geração?
-É “reviver”.
-Por conseguinte – continuou Sócrates – uma vez que “reviver” existe, não se poderá dizer que o que constitui a geração dos mortos para os vivos é precisamente “reviver”?
-Evidentemente.

Dessa maneira, Sócrates admite que as almas, dos mortos, existem em algum lugar: invisíveis aos olhos do corpo, mas visíveis aos olhos da alma. Daí, partindo dessa existência invisível, elas poderiam retornar para o nosso mundo no momento da geração da vida. 

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

CORTAR O TEMPO

Carlos Drummond de Andrade
“Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
 a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. 
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. 


Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
 Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez 
com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente.

Para você, desejo o sonho realizado. 
O amor esperado. 

A esperança renovada. 


Para você, desejo todas as cores desta vida. 
Todas as alegrias que puder sorrir, todas as músicas que puder emocionar. 


Para você neste novo ano, desejo que os amigos sejam mais cúmplices, 
que sua família esteja mais unida, que sua vida seja mais bem vivida.
Gostaria de lhe desejar tantas coisas. 
Mas nada seria suficiente para repassar o que realmente desejo a você. 
Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos. 
Desejos grandes e que eles possam te mover a cada minuto, rumo à sua felicidade!” 
 


Carlos Drummond de Andrade, nasceu em 1902,  em Itabira, Minas Gerais. Tornou-se,  um dos principais representantes da literatura brasileira devido as suas obras.  Seus poemas abordam assuntos do dia a dia,como: conflito social, a família e os amigos, a existência humana, a visão sarcástica do mundo e das pessoas e as lembranças da terra natal. Faleceu em 17 de agosto de 1987, no Rio de Janeiro.